RECORDAÇÕES

“...naquela mesa

ele sentava sempre...

e dizia contente

o que fez de manhã!

naquela mesa

ele contava historias,

que hoje na memória

eu guardo e sei decor...

...naquela mesa

está faltando ele!

e a saudade dele...

esta doendo em mim...”

São versos de uma musica, que eu não me lembro o nome, nem quem cantava, só lembro destes trechos e que meu pai gostava muito.
Hoje se ele estive ainda neste plano teria completado 72 anos no dia 04 deste mês, acho que ele se foi cedo demais, ainda me lembro de coisas de minha infância, como se tivessem acontecido ontem...

Como quando eu tinha 7 anos e fui para a escola ele me disse que aquele dia transformaria toda a minha vida para sempre, e que dali para frente as minhas atitudes em relação aos estudos determinariam quem eu seria – (é claro que não foi com estas palavras, mas o sentido era este).
Aos poucos fui descobrindo as letras e o prazer de junta-las, ler e entender... livros, atividades... lembro-me delas com nostalgia; a primeira lição de casa, recortar e colar palavras com todas as letras do alfabeto, meu pai me deu um jornal, uma tesoura e uma cola, eu fiquei a olhá-lo sem entender nada – queria que me ajudasse a achar as palavras – ele me olhou e disse:

- Leia o jornal, depois separe as palavras, recorte e cole no seu caderno, em ordem alfabética e bem feito, senão eu arranco a folha e faço fazer outra vez...
devo ter ficado muito brava, não me lembro; mas sei que fiz... e foi a primeira e a última vez que pedi ajuda para tipo de atividade.

Terceiro ano: a escola começou a ficar séria, as matérias mais difíceis;

- daqui para frente se você não estudar não vai passar de ano, preste atenção nas aulas e você terá que estudar menos para as provas... foram suas palavras.
(apesar que naquela época se você não fosse bem, era reprovado deste o 1° ano)... a professora começou a entrar com livros de leitura, obras literárias como A Moreninha, O Cortiço, Helena, etc... cheguei em casa toda feliz por ler um livro, comecei a leitura e logo me deparei com palavras que eu nunca tinha visto; é lógico que fui perguntar ao meu pai, sabe qual foi a resposta????

- esta vendo aquele livro ali na estante, o de capa preta???

- estou. - respondi.

- é um dicionário Aurélio – leia o livro com ele do lado, quando encontrar alguma palavra que não conhece, procure...
e... foi assim; daí para frente, sempre lia com o meu amigo Aurélio me acompanhando.

Sempre fui boa aluna, até meio Caxias, nunca estudei para provas porque o que eu tinha que aprender o fazia durante a aula, nunca tive notas baixas, nunca fui reprovada ou tive que fazer exames finais...
e assim veio a formatura. Meu pai com orgulho dançou a valsa dos formandos comigo e me disse que eu merecia aquele dia, porque eu havia chegado até ali por meus esforços.
Dali para frente enfrentaria o colégio. Como todo adolescente que de nada entende e acha que sabe tudo... tive minhas divergências com ele; não fui para a escola que ele queria porque era um colégio de freiras (imagina??? eu num colégio de freiras??? - nem pensar)... meu pai como sempre tomou uma atitude que ninguém esperava. Numa segunda-feira,ao chegar do serviço pois ele trabalhava a noite, em vez de dormir, me tirou da cama me fez tirar fotografias, e me levou para a cidade; tiramos a minha carteira profissional e o meu RG (carteira de identidade). Depois de tudo pronto ele me disse:

- você vai procurar um emprego e vai para a escola que quiser!!!

Nesta mesma semana arrumei o meu primeiro emprego, fiz matricula na escola, e fui fazer exatamente o que ele falou. Talvez, ele achasse que eu não faria. Ou sabia que eu conseguiria, não sei, nunca perguntei...
Mas fiz o colégio, prestei vestibular... e ... entrei na Faculdade mais concorrida do país, a USP; acabei não fazendo o curso, porque descobri que estava grávida de minha filha.
...Acho que neste ponto eu o decepcionei, mas ele nada falou! e quando minha filha nasceu, vi em seus olhos que estava feliz...

Alguns de vocês ao lerem esta história vão achar que papai foi muito duro, ou que estou reclamando... nem uma coisa, nem outra... ele não foi duro, ele só me ensinou que quando quero tenho que correr atrás, que se eu não fizer bem feito ninguém faz por mim.

Hoje sou quem sou, porque meu pai teve a grandeza de me fazer entender que o mundo não é fácil, e que nós temos que fazer os nossos caminhos, que não podemos fugir dele e nem das responsabilidades que vem com nossas atitudes, que toda ação tem uma reação, e que minha palavra vale mais do que qualquer documento assinado...
E estou aqui escrevendo, porque meu pai, me ensinou o gosto pela leitura e pela escrita; ele, nunca me ajudou a ler, mas comprou todos os livros que precisei; em nossa casa até hoje, existem coleções completas de Machado de Assis, José de Alencar, Érico Veríssimo, Éça de Queiroz e outros grandes nomes da literatura brasileira e portuguesa... e nós - (digo nós, porque tanto eu como minhas irmãs), lemos TODOS eles, leio tudo que passa pelas minhas mãos, até as bulas de remédio...
O que escrevo é pura saudades, acho que meu pai ficaria orgulhoso de saber que suas filhas hoje escrevem textos, cronicas, romances ou poesias porque seus esforços nos ajudaram a chegar até aqui.
Acho não!
Eu sei, que ele ficaria orgulhoso; porque, apesar de ele nunca ter me incentivado a tirar a carteira de motorista; um dia ele me disse:

- você saiu uma boa motorista; quem diria que você ia dirigir tão bem assim!
...acreditem, vindo de meu pai, foi um elogio daqueles...
talvez ele dissesse:
- não é que você aprendeu a escrever!!!???!!!
... e podem ter a certeza de que seria mais um elogio daqueles!!!!!!!...

(Kássya Abril/09)