segunda-feira, 26 de julho de 2010

Cultivando doces lembranças!...

Existem coisas que não posso deixar simplesmente pra lá...

Em Fevereiro deste ano meu filho caçula iniciou seu primeiro ano na escola, já no primeiro dia conheci M., mãe de G. de 5 anos, uma mulher bastante amorosa com o filho pequeno, até demais para as outras mães que estavam na primeira reunião de pais e mestres; pois o menino chorava, fazia manhas, não ficava sentado, não obedecia, a única coisa que ele fazia com toda a convicção era falar: “mamãe vamos embora!”; ela olhava para ele e falava com calma e um sorriso “já vamos meu amor, espera um pouquinho!”
As aulas começaram e ela todos os dias lá estava, com ele ao colo, abraçando, dando beijos, mimando... se ele chorava não ficava na aula; ela dizia: -venha vamos passear com a mamãe!
muitas vezes eu mesma critiquei a atitude desta mãe, que fazia tudo para o filho não chorar e fazia tudo o que ele queria.
Nunca a vi erguer a voz, ralhar ou corrigir o garoto, muitas vezes escutava as mães criticando a atitude dela; um dia conversando, soube que G. dormia abraçado com ela todos os dias; e ainda me disse “ele irá dormir comigo até quando for possível!”
M.era uma mulher simples, usava roupas simples e um pouco antigas, os cabelos estavam sempre cortado curtos, com muitos fios brancos, os dentes estavam precisando de um bom tratamento, mas o que sempre ouvia-a dizendo as outras mães era: “não me preocupo com estas coisas, só com G. ele precisa de mim!”
Ela amarrava os tênis, arrumava os cabelos, dava-lhe beijos no rosto, nos olhos, nas mãos, acariciava-lhe o rosto, apertava-o ao peito e sempre estava dizendo “mamãe te ama”; e muitas vezes vi quando ele desamarrava os tênis para ela amarrar de novo, ela sorria, se abaixava e amarrava novamente, e novamente o enchia de beijos, abraços e carinhos... e foi assim os primeiros meses de aula; vieram as férias; esta semana dia 20, voltaram as aulas, durante a semana nenhuma das mães viu G. ou M., não estranhamos, pois era comum as vezes não leva-lo a escola, para passear.
Mas sexta feira dia 23, meu filho comentou que G. veio a aula, e que chorou muito, e que a “Pro” tinha pedido para eles não brigarem com ele porque ele estava triste, a mamãe dele tinha ido embora e não ia voltar mais; achei estranho, voltei e perguntei o que havia acontecido, e ela disse: - Ela faleceu de câncer na segunda feira, foi enterrada na terça (primeiro dia de aula); o pai não trouxe o G. todos estes dias, e hoje ele só chorou e pediu para ligar para a mamãe vir buscar. O pai disse que desde o dia que ela morreu que ele pede para ligar para a mamãe e falar para ela vir buscar, e sempre pergunta; “papai, quando a mamãe chega!”... foi dificil a aula.

Neste momento um nó se formou em minha garganta e meus olhos marejaram; e vi com outros olhos a atitude dela, hoje eu entendo que ela estava cultivando doces lembranças, criando recordações para este filho, sabia que ia morrer, estava vivendo cada segundo que podia com ele, ele terá a vida inteira pela frente, mas ela não tinha tempo para ve-lo crescer, então queria viver ao lado dele o máximo possível... olhei para a pilastra e lembrei de quantas vezes a vi escondida lá, olhando para o filho com olhos de adoração; neste momento entendi a dimensão do sofrimento desta mulher, ia morrer e resolveu viver todos os momentos possíveis ao lado do filho, resolveu criar doces lembranças... sabia que ele é pequeno e que quanto mais lembranças ele tiver, mais a terá em seu coração; ele poderá ter uma madrasta. mas jamais vai esquecer que a mamãe beijava, abraçava, carregava no colo, que a mamãe não deixava ele chorar, ele jamais esquecera a mamãe.
Peguei meu filho e fui para casa, no caminho ele pergunta:
- Mãe quando a mamãe do G. vai voltar?
- Ela não vai voltar filho.
- ué! porque mãe, ela não gosta mais dele?
- Gosta querido, gosta muito!!!
- então? porque ela não volta?
- Bem meu amor, ela foi morar com papai do Céu
- mas no céu não tem casa, porque ela foi morar lá?
- Filho, a mamãe do G. morreu.
- Ah! então ela só volta quando acordar; e quando é que ela vai acordar?
- Ela não vai acordar meu bem; quando se morre não acorda mais
- se ela sentir fome e frio, ela volta!
- Oh! filho! quando a gente morre não sente mais fome, frio, não acorda... mora pra sempre com papai do céu
- Mãe?
- Oi...
- "tadinho"!!! quer dizer que se o G. ligar para a mamãe dele, ela não vai atender, nem vai ouvir ele né? e ela não vem mais buscar ele... não que é que nem no pica pau, que morre hoje e volta amanhã?
-é... não...
a conversa acabou por aqui, mas a noite em minhas orações a imagem dela voltou a minha mente, um filme passou  pela minha cabeça e revi todas as cenas dela com o filho e chorei; lembrei de algo que um sábio padre me disse:
“se uma atitude que você tomou, ou se você fez algo, que fez você chorar e se arrepender; é porque é pecado! peça perdão a Deus.”
Então fechei meus olhos e no meio da lágrimas pedi:
“Perdão Senhor! porque pequei!
pequei ao julgar as atitudes de M.; e tua palavra diz “não julgueis para não seres julgado”. e eu julguei. Perdão Senhor, porque julguei aquela mãe que estava tentando viver em poucos dias o amor de uma vida inteira, que queria dar ao filho lembranças para o futuro; perdão senhor pois eu não tinha o direito de julgar sem conhecer a situação e estou arrependida...”

Kássya 25/07/2010

Um comentário:

Anônimo disse...

A ternura, o sentimento da vida, a dura realidade, a inocencia, o agastamento, o nao comporeender as coisas, os seu porques.....
tudo isso esta ai.....
esta lindo, penso que todos nós temos um bocadinho disso aí em nós.
bejs
antonio ferreira
voarnopensament
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